Marcar os ativos a mercado ou na curva? Esta é uma questão que cada vez mais se coloca para os gestores. A recente revisão do ambiente regulatório, que tratou de maneira independente as questões da precificação de ativos, de passivos e a solvência dos planos, respeitou as características e especificidades de cada plano, o que significa que não se deve buscar uma resposta pronta para todos mas, ao contrário, é algo que exige que se discuta o tema de acordo com as características de cada um deles. A opção por um dos tipos de marcação deve ser sempre a causa de uma estratégia e não a sua motivação, ressalta o diretor superintendente da Fibra, Sílvio Rangel.

A escolha do modelo de precificação dos ativos dos fundos de pensão – marcados na curva ou a mercado – é uma questão que ganha relevância cada vez maior e amplia o debate entre os gestores e especialistas em investimentos. A recente revisão do ambiente regulatório, que tratou de maneira independente as questões da precificação de ativos, de passivos e a solvência dos planos, respeitou as características e especifidades de cada plano, o que significa que não se deve buscar uma resposta pronta para todos mas, ao contrário, é algo que exige que se discuta o tema de acordo com as características de cada um deles. No momento em que as taxas de juros dos títulos públicos pagam acima das metas atuariais dos fundos de pensão, há uma tendência lógica dos planos BD aproveitarem para imunizar suas carteiras com a marcação na curva, mas a questão fica mais controversa quando se aplica o mesmo método aos planos CD, dizem os especialistas. As opiniões estão divididas entre os que consideram essencial marcar tudo a mercado, em qualquer circunstância, até os que defendem a marcação na curva como remédio para mitigar a volatilidade das carteiras.

A principal preocupação em relação à marcação na curva, especialmente no caso dos planos CD é com o risco de transferência indevida de riqueza entre os participantes. “Atualmente há um claro direcionamento da Previc para a gestão baseada em riscos, que não admite esse viés paternalista de adotar a marcação na curva como proteção do participante contra a volatilidade, quando na verdade é muito mais importante adotar uma postura realista e usar a educação financeira para explicar a volatilidade às pessoas”, lembra o consultor Edivar Queiroz, da LUZ Soluções Financeiras. Nos planos BD, ele admite que pode haver utilidade para esse tipo de marcação mas, no caso dos planos CD, é totalmente contrário a ela e sugere estudos rigorosos das necessidades de liquidez.

Na avaliação do diretor de Investimentos da Funcesp, Jorge Simino, há uma dicotomia mal formulada nesse debate, pois enquanto a marcação a mercado na renda variável é indiscutível, na renda fixa surgem dúvidas que podem levar, equivocadamente, à opção pela marcação na curva. Defensor da marcação a mercado para todos os ativos, modelo adotado pela Funcesp , Simino diz que a marcação na curva é uma espécie de “jabuticaba”, inventada pelo Brasil há 20 anos, quando o governo tinha dificuldade em financiar a dívida pública por meio de seus títulos. O patrimônio de R$ 23 bilhões gerido pela Funcesp em dezembro de 2015, informa Simino, refletia exatamente o valor de mercado de seus ativos.

Atenção aos diferentes passivos

Com parte de sua carteira total de ativos marcada na curva – particularmente nos ativos de renda fixa – e parte marcada a mercado, no caso dos ativos mais líquidos, a Funcef adota uma modelagem que respeita rigorosamente as características do passivo de cada plano, explica seu diretor de Investimentos, Maurício Marcellini. “O tema é sempre atual e polêmico para os fundos de pensão, mas não concordo com as avaliações que apostam 100% na marcação a mercado nem naquelas que preferem 100% dos ativos marcados na curva”, pondera Marcellini. Para ele, o ideal é que cada fundo de pensão conheça muito bem as características de seus passivos e adote o modelo mais adequado às suas necessidades de liquidez.

A opção por um dos tipos de marcação deve ser sempre a causa de uma estratégia e não a sua motivação, ressalta o diretor superintendente da Fibra, Sílvio Rangel: “Cada fundo de pensão tem características particulares e precisa decidir em primeiro lugar qual é o modelo de precificação mais adequado para as suas características de fluxo de caixa de passivo, duration, tipo de plano e políticas de investimento”. Para o diretor de Investimentos da Funcesp, Jorge Simino, a questão precisa ser enfrentada com o máximo de realismo possível pelos fundos de pensão, sempre com o objetivo principal de garantir a forma mais transparente de dizer ao participante quanto valem os seus ativos.

Características distintas

“O equívoco é montar uma estratégia de alocação de acordo com o modelo de precificação escolhido”, observa Rangel. Na Fibra, que já vive uma fase de maior maturidade em seu plano BD e paga o dobro do que recebe em contribuições, a marcação na curva predomina porque já é possível abrir mão da liquidez. “Nem todos percebem isso, ou seja, que a situação depende das características do passivo do plano e das estratégias de investimento escolhidas”, diz o superintendente. Já no caso dos planos CD que usam a marcação na curva ele vê um claro risco de transferência de riqueza entre os participantes, porque o método distorce o valor do benefício e o fundo fica vulnerável, inclusive juridicamente uma vez que as pessoas podem ser prejudicadas pelo tipo de marcação. “Estudos mostram claramente a inadequação da marcação na curva em planos CD, que têm vários cotistas com aportes e resgates em momentos distintos e devem, portanto, optar pela marcação a mercado”, destaca Rangel. A Fibra, que está implantando seu plano CD, segue nesse caso o princípio de que as cotas devem representar sempre o valor de mercado dos ativos.
Previsibilidade

Para a Funcef, o fato de ter uma patrocinadora – a Caixa – com baixo índice de turnover, dá maior previsibilidade ao passivo, o que permite à gestão de investimentos optar por reduzir a volatilidade fazendo a marcação na curva dos títulos públicos nas carteiras com características de BD, desde que esses papéis paguem acima da taxa atuarial. A Funcef, explica Marcellini, mantém três planos e segue uma escolha de precificação distinta para cada um deles. No plano CV, a marcação a mercado é priorizada durante a fase de acumulação de reservas mas, a partir do momento em que os participantes entram em gozo de benefícios e o plano assume características de BD, as alocações, que são 100% em renda fixa, passam a ter 95% desses ativos marcados na curva. “É uma forma de blindar a carteira contra as variações das taxas de juros”, explica o diretor. No plano BD, há uma parte saldada e outra não, sendo que na parte saldada a renda fixa é quase totalmente marcada na curva, deixando apenas uma reserva de liquidez de 6% a 8% dos ativos marcada a mercado para fazer frente às necessidades de liquidez que irão cobrir compromissos durante dois anos. Já os ativos do plano CD estão em sua totalidade marcados a mercado.

Instrumento importante

A carteira total de renda fixa da Funcef atinge R$ 32 bilhões, dos quais R$ 23,5 bilhões estão aplicados em títulos públicos marcados na curva. E uma parcela de R$ 4 bilhões está alocada em crédito privado – entre títulos de dívida bancária e corporativa – também totalmente marcados na curva, informa Marcellini. Essa decisão decorre da necessidade de privilegiar a liquidez, já que os ativos de crédito privado não tem liquidez e os parâmetros de mercado para a sua precificação são bastante controversos. Como resultado, apenas pouco mais de 10% da carteira global de renda fixa da entidade estão marcados a mercado. A marcação na curva, enfatiza Marcellini, “é um instrumento importante num mercado de renda fixa altamente volátil como o brasileiro, desde que se conheça o passivo e sua previsibilidade, além de escolher títulos com rendimento acima da taxa atuarial”.
Gestão baseada em risco e governança

Além das diretrizes regulatórias voltadas à gestão baseada em riscos, que tornam cruciais os estudos detalhados de risco de liquidez para os ativos, as decisões dos fundos de pensão sobre o modelo de precificicação deverão ser afetadas também pela Instrução CVM nº 558, que traz uma mudança radical para o mercado de investimentos, lembra Edivar Queiroz: “Essa Instrução diz respeito à governança dos investimentos e dá aos profissionais da área de risco status de diretores estatutários, como já ocorre nos bancos e nas assets, o que acentua ainda mais a necessidade de buscar mitigar o risco de distribuição de riqueza e a volatilidade sem ser paternalista com os participantes”. A avaliação é reforçada por Jorge Simino, para quem a educação financeira dos participantes é fundamental nesse processo e é preciso explicar às pessoas o que está acontecendo, até porque a volatilidade, que é uma das medidas de risco, deve ser bem compreendida: “Os participantes também tem aplicações de renda fixa em bancos e estão acostumados a saber que as cotas desses fundos oscilam”.
Fonte: (Martha E. Corazza – Diário dos Fundos de Pensão)